Preparação física no TM - Parte 2

Como os músculos obtêm energia para trabalhar?

O combustível dos músculos é uma substância chamada Adenosina Tri-Fosfato, o ATP. As moléculas de ATP se quebram, gerando Adenosina Di-Fosfato (ADP) e Energia livre, a qual é diretamente utilizada pelos músculos para produzir trabalho. A reação é anotada assim:

    ATP ----> ADP + Energia
O problema é que o estoque de ATP é muito pequeno, suficiente para apenas 2 a 4 segundos de trabalho muscular em intensidade máxima ou quasi-máxima (quando damos todo gás). Uma vez que sem ATP a função muscular entraria em colapso, o organismo precisa de algum processo para repor o ATP. O primeiro processo auxiliar a entrar em cena baseia-se no fosfato de creatina (FC). A reação é a seguinte:
    FC + ADP ----> ATP + Creatina
O estoque de FC à disposição dos músculos também é limitado. Se os músculos estiverem trabalhando na sua capacidade máxima, o estoque de FC é suficiente para repor ATP por no máximo 6 a 8 segundos. Note que o FC não precisa de oxigênio para se combinar com o ADP e nem produz lactato. Este é, portanto, o sistema anaeróbico-aláctico. Interrompendo-se o trabalho muscular, cerca de 70% do estoque de FC é renovado após 30 segundos, e 100% após 3 a 5 minutos.

Se o trabalho continua depois do esgotamento do FC, um segundo processo entra em funcionamento para a reposição do ATP. Este processo utiliza os depósitos de glicose e gordura do nosso corpo (os estoques de glicose são gastos primeiro, depois os de gordura). Para a glicose, ele ocorre em duas fases, como mostrado abaixo:

    (1): Glicose + ADP ----> ATP + Lactato (2): Lactato + O2 + ADP ----> ATP + CO2 + Água
Quanto mais intenso o trabalho físico, maior é o acúmulo de lactato. O gráfico abaixo mostra a concentração de lactato como uma função da intensidade de trabalho (velocidade de um corredor). Para concentrações de até 2 mmol/l, o organismo trabalha com o sistema aeróbico. Para concentrações maiores do que 4 mmol/l, com o sistema anaeróbico-láctico. Entre 2 e 4, trabalha-se no limiar anaeróbico.

Fonte: Vide referências [1]

A partir de um certo nível de lactato, o atleta se vê simplesmente obrigado a diminuir a intensidade ou mesmo a interromper o exercício. Além disso, treinos seguidos na faixa do sistema anaeróbico-láctico causam o enfraquecimento do sistema imunológico.

Quais as características do TM?

O TM de mesa se caracteriza por curtos intervalos muito intensos de troca de bola intercalados por períodos de relativo repouso. Nas trocas de bola o trabalho muscular é quasi-máximo (no alto nível pelo menos), com altíssima exigência da coordenação. Durante uma partida, que pode durar entre 20 e 60 minutos, a frequência cardíaca média fica em torno de 140 a 150 batimentos por segundo.

Com toda evidência, o sistema mais importante para o TM é o anaeróbico-aláctico, secundado pelo sistema aeróbico.

No sistema anaeróbico-láctico, o lactato se acumula nos músculos causando:

    a) hiperacidez (dores musculares), b) a perda de coordenação, c) aumento do tempo de reposição do Fosfato de Creatina. d) diminuição da capacidade imunológica
Portanto, além de não ser significativo na competição, o sistema anaeróbico-láctico deve ser evitado nos treinos, pois a consequente perda de coordenação atrapalha a estabilização da técnica. Note que se vc tem dores musculares fortes depois dos treinos de TM, vc está treinando errado.

Já o condicionamento aeróbico tem a vantagem adicional de deslocar a curva de lactato para a direita. O gráfico baixo mostra novamente a concentração de lactato como uma função da intensidade de trabalho (frequência cardíaca). A curva da esquerda pertence a uma pessoa destreinada, a curva da direita a uma pessoa treinada. Uma pessoa treinada suporta uma maior intensidade de exercício sem entrar na faixa anaeróbica.

Fonte: Vide referências [1]

Como se treina o sistema anaeróbico-aláctico?

O condicionamento do sistema anaeróbico-aláctico implica não só no aumento dos estoques de ATP e FC presentes nas células musculares, mas também na diminuição do tempo de reposição.

    melhor concionamento anaeróbico-aláctico = maior estoque de ATP e FC + menor tempo de reposição do estoque
O sistema anaeróbico-aláctico é treinado em geral com séries de corridas curtas em velocidade máxima (sprints), com 2 a 5 minutos de repouso entre exercícios. A idéia é criar uma série de ciclos de esgotamento e reposição de ATP e FC. Na figura abaixo, o estoque de ATP e FC é mostrado como uma função do tempo. Nos intervalos em que se realiza exercício (Belastung), o estoque diminui rapidamente. No intervalos de pausa (Erholung), o estoque é reposto. Note que há duas curvas: a de cima descreve o processo para uma pausa passiva, a debaixo para uma pausa ativa (saltitando por exemplo). Quando a pausa transcorre em repouso, a recuperação é mais eficiente.

Fonte: Vide referências [1]

No caso específico do TM, o condicionamento do sistema anaeróbico-aláctico é feito preferencialmente com o método de multi-bolas, mas também é possível nos treinamentos táticos. Em ambos os casos, utilizam-se exercícios com bastante footworking, executados em intensidade máxima ou sub-máxima (80%).

Com intensidade máxima, a duração de cada exercício é de no máximo 12 segundos. Com intensidade sub-máxima, a duração de cada exercício é de 20 a 30 segundos. Entre cada exercício, deve-se ter 1 a 2 minutos de intervalo. Após uma série de 4 exercícios, faz-se um intervalo maior, de 3 a 5 minutos. O número de séries depende do condicionamento geral de cada indivíduo e do plano geral de treinamento.

Note: o treinamento com multi-bolas em intensidade máxima mata dois coelhos com uma cajadada só. Ao mesmo tempo em que se treina o sistema anaeróbico-aláctico, treina-se a coordenação necessária para a transformação da força muscular bruta (obtida em treinamentos específicos de força, vide em referências [2]) em velocidade de jogo.

Como se treina o sistema aeróbico?

Quanto melhor o condicionamento aeróbico, mais rápida é a reposição de ATP e FC, e maior é a intensidade de trabalho que se pode realizar antes de se ultrapassar o limiar anaeróbico.

A intensidade ideal de treinamento aeróbico pode ser estimada pelo método da “Frequência Cardíaca de Reserva” (Freq_reserva), desenvolvido pelo finlandês Karvone. A Freq_reserva é a diferença entre a frequência cardíaca máxima (Freq_maxima) e a frequência cardíaca em repouso (Freq_repouso):

    Freq_reserva = Freq_maxima - Freq_repouso
Cada um pode medir diretamente a sua Freq_repouso, de preferência de manhã cedo, logo após acordar e antes de se levantar. A Freq_maxima é também individual, sendo estimada pela fórmula:
    Freq_maxima = 220 - Idade
Agora, a intensidade ideal para o treinamento aeróbico (Freq_treino) é dada pela soma da Freq_repouso com a marca de 70% da Freq_reserva. Note que 70% é a porcentagem adequada para as necessidades específicas do TM. A fórmula se escreve:
    Freq_treino = Freq_repouso + (0,7 x Freq_reserva)
Tomando-se como exemplo alguém com 20 anos e Freq_repouso = 65 batimentos/minuto, segue que:
    Freq_reserva = 220 - 20 - 65 = 135 bat/min Freq_treino = 65 + (0,7 x 135) = 65 + 95 = 160 batimentos/minuto
Para o cara do exemplo, a intensidade ideal de treinamento aeróbico é 160 batimentos cardíacos por minuto.

Portanto, o uso desses relógios que controlam os batimentos cardíacos (por ex. da marca Polar) é de grande ajuda no treinamento aeróbico. O modo de treinamento em si pode incluir corrida, ciclismo, natação, patinação, etc., embora o mais adequado para o TM seja mesmo a corrida.

O treinamento aeróbico deve ser extensivo. Para um jogador de TM ele deve durar entre 45 a 60 minutos (dependendo do condicionamento individual), na intensidade indicada acima (Freq_treino), sem pausas.

Quando se iniciar um programa de treinamento aeróbico específico para o TM do zero, deve-se contar com um período de 8 semanas até se atingir o condicionamento ideal (que para o mesatenista não é o condicionamento máximo). Estas 8 semanas devem se encaixar entre a pré-temporada e o início da temporada. Neste período, treina-se a parte aeróbica no ritmo 3 por 1, isto é: treina-se 3 dias seguidos (uma corrida por dia) e descansa-se 1. Após este período de preparação, dedica-se mais tempo a treinamentos técnico-táticos e jogos, mas mantém-se uma corrida por semana, de manutenção. Nos intervalos da temporada em que se tem menos competições, pode-se fazer uma ou duas séries de 3 por 1, conforme a oportunidade.

Obs.: neste período pré-temporada também deve-se colocar mais ênfase no treinamento de força.

Uma palavrinha sobre nutrição

O sistema aeróbico repõe o ATP usando os estoques de glicose e gordura do nosso corpo. A reposição a partir de glicose é mais rápida, e portanto mais importante para o TM. O problema é que o estoque de glicose também é limitado, sendo suficiente para 60 a 90 minutos de atividade (90 min em alguém muito bem treinado), conforme se vê na figura baixo:

Fonte: Vide referências [1]

A glicose è reposta através da ingestão de carbohidratos. Portanto, é de fundamental importância a ingestão destes nutrientes entre cada partida em campeonatos e a cada hora de treino. Eu, por exemplo, consumo estas barras de cereais direto, com muita água. A água é necessária para a fixação dos estoques de glicose no fígado (na forma de glicogênio). Banana também é excelente, pois além de ser uma fonte de carbohidratos e sais minerias importantes é rica em fibras, as quais ajudam a evitar diarréia nos dias de jogos.

Conclusão

Para finalizar, é óbvio que o assunto não se esgota nestas linhas. Aqui está um resumo da prática que eu adoto, junto com a teoria com a qual eu justifico esta prática prá mim mesmo. Esta prática foi desenvolvida com base em conversas com colegas e treinadores, nas leituras que eu fiz e nos resultados que eu obtive aplicando as idéias que me pareceram mais corretas. Muita teoria e vários métodos alternativos foram omitidos.

Referências

[1] Título: Konditionstraining im Tischtennis. Autor: Wolfgang Friedrich. Editor: Deutscher Tischtennis-Bund, 2005.
[2] https://mesatenista.net/modules.php?name=Forums&file=viewtopic&t=5461&sid=0e89b2dd6d8b1fbc558204dae221357a

Química, Biologia, Educação Física; aplicadas ao TM. Que explanação interdisciplinar… Vou agora mesmo procurar o tópico “Qual jogador ou técnico vc escolheria para ser seu técnico?” e colocar: MITIDIERI. rsrsrsrsrs

Forte Abraço.

Pô, legal saber o que está acontecendo com meu corpo depois de carregar 400 eixos de perua por dia. E depois ainda quero jogar depois do trampo… Agora eu entendo porque eu me sinto como se tivesse sido atropelado por um trator.

kkkkkkkkkk

ahh pra completar eu tbm escolheria o Mitidieri como meu tecnico !!!
cara vc entende mto de preparacao fisica… nem professor de fisica meu intende tanto q vc !! hehehe

Mitidieri, que tópico hein?!
Muito bom mesmo…
Agora eu tava pensando, e se eu tomar aqueles complementos alimentares que possuem creatina será que vai ter algum efeito em questão de energia no meu corpo?

Esse tópico e o outro sobre alongamento tem que virar fixo.

Abraço e obrigado por dar a oportunidade de nos passar esse conhecimento.

Adicionei mais algumas linhas

Em princípio, vc deveria obter todos os nutrientes de que precisa através de uma alimentação variada. Esse é o ditado politicamente correto. Mas atletas têm realmente necessidades especiais. Eu apenas não me aventuro a dizer quais sejam. Neste ponto, eu acho que é necessário aconselhamento de especialista. Sei lá, entende?

Em princípio, vc deveria obter todos os nutrientes de que precisa através de uma alimentação variada. Esse é o ditado politicamente correto. Mas atletas têm realmente necessidades especiais. Eu apenas não me aventuro a dizer quais sejam. Neste ponto, eu acho que é necessário aconselhamento de especialista. Sei lá, entende?[/quote]
Entendo sim, eu só perguntei porque tenho um amigo que joga como goleiro no time da Malwee (futsal) e toma complementos com creatina.

Eu ainda encontro minha energia no açai com banana antes dos treinos e torneios, beeem mais saudável.

putz Mitidieri eu nem aguento ler isso td, ja to vendo essas paradas ai na faculdade até desanima fica lendo isso ja que biologia é a matéria mais xata que eu tenho rsrs, mas é isso ai msm vc ta dando uma verdadeira aula mano parabéns!!!

adicionei mais algumas infos.

Acho que agora está na forma final.

Adicionei mais um detalhe.

Prá quem for usar corrida como treinamento aeróbico, seguem algumas dicas.

  • Monitor cardíaco é fundamental, sem ele ou você treina fraco demais, ou se for como este ignorante que vos escreve, acaba extrapolando e entrando na zona de treinamento anaeróbica.
  • O ideal é você determinar sua freqüência cardíaca máxima em condições reais de treinamento, ou seja forçar seu coração até o limite máximo, existe farta literatura na internet sobre isso. mas não deixa de ter algum risco.
  • É preciso determinar uma zona alvo, ou seja um limite mínimo e um limite máximo. Normalmente a diferença entre um e outro é de 10%. Programe seu frequêncimetro para disparar caso você saia da zona alvo.
  • Faça seu treino aeróbico em local plano, se o percurso tiver subidas e descidas, não é possível manter-se na zona alvo.

Prá quem não tem monitor cardíaco, ou acha que esse papo de controlar a freqüência cardíaca é coisa da boiola, vaí aí uma dica prática:

Enquanto você estiver conseguindo correr e conversar, você está na zona de treinamento aeróbica.
Se a sua voz estiver saindo com dificuldade, entrecortada, você já está fazendo treinamento anaeróbico.

Abraços.

caramba!!!
Mitidieri por causa de vc vou tirar nota 10 em fisica! :stuck_out_tongue: kkkkkkk brincadeira
belo projeto! vc intende muito desse assunto! valeu!! :smiley:

Ae Mitidieri;

Bom trabalho, certamente estes assuntos são da máxima importancia para nós.

onde encontro a Parte 1?

Tem certeza? Olha que quando o Cap. Nascimento treinou comigo ele pediu prá sair…

hehehehe :lol:

FANTASTICO !!! :smiley: :smiley: parabens mitidieri , suas informações são preciosícimas para qualquer atleta

gostaria de imprimir e mostrar para meu professor para que ajude na orientação da preparação fisica do pessoal do clube

tenho sua permição ??? :oops:

Claro, o que eu escrevo aqui no fórum é de domínio público. Mas não esqueça de dar os créditos.