Dono da Nvidia mesatenista

Desde cedo, o empreendedor Jen-Hsun Huang teve de se adaptar para sobreviver. Nascido em Taiwan, mudou-se ainda criança para a Tailândia. A família Huang fugia de um sangrento regime ditatorial que, sob os auspícios da China comunista, executava seus opositores. Na Tailândia, a vida também não era fácil. Os pais de Huang decidiram mandar seus dois filhos para os Estados Unidos, onde poderiam receber educação de qualidade. Os tios que os receberam nos EUA mal falavam inglês. Num lance infeliz, mandaram Huang, sem querer, para um reformatório juvenil – achavam que se tratava de uma escola preparatória. Sem se abater, ele aprendeu a ética de trabalho que guiaria sua vida profissional. Acordava cedo para lavar os banheiros do dormitório de três andares, ensinava jovens criminosos a ler e perseguia uma paixão: o tênis de mesa. Aos 14 anos, Huang ficou em terceiro lugar no Aberto de Tênis de Mesa dos EUA. Alegria maior foi ver sua foto na conceituada revista Sports Illustrated.

Mas foi na Forbes, uma das mais respeitadas revistas americanas de negócios, que Huang conquistou sua glória máxima, muitos anos depois. A revista elegeu a Nvidia (lê-se enevídea), criada por Huang em 1993, a companhia do ano de 2007. Segundo a Forbes, a Nvidia é um exemplo de ousadia entre as empresas de tecnologia. Baseada na cidade de Santa Clara, no centro do Vale do Silício, a empresa cria microchips gráficos. Comumente conhecidos como placas de vídeo, esses pedaços de silício contêm poderosos processadores responsáveis pela qualidade da imagem em computadores e videogames. Os produtos da Nvidia, como a placa GeForce, são indispensáveis para executar programas em três dimensões, do tipo do Google Earth e do sistema operacional Windows Vista, o mais recente lançamento da Microsoft. A maior demanda para os chips Nvidia – e sua principal razão de ser – é a indústria de games.

Quando os jogos saltaram para a terceira dimensão, na década de 1990, os computadores não davam conta dos bilhões de cálculos necessários para criar nas telas uma experiência próxima da real. Hoje, um PC de mesa equipado com uma das placas de Huang gera gráficos idênticos aos do filme Toy Story – que exigiu centenas de supercomputadores e meses de processamento quando foi criado, em 1994. “Quanto mais conteúdo se cria, maior o interesse visual, e maior a necessidade de processamento”, diz Huang. Com a chegada da tecnologia de vídeo de alta definição, as placas de vídeo se tornam mais importantes. “Onde houver um pixel, é lá que queremos estar”, diz.

A participação da Nvidia no lucrativo mercado de placas de vídeo passou de 57% para 62% em 2007. A companhia saltou de uma faixa de lucro de 29% em 2004 para 46% em 2007. No ano fiscal que se encerra agora, a Nvidia faturou US$ 4 bilhões, um aumento de 33% em relação ao ano anterior. E lucrou US$ 900 milhões, 50% mais que no ano passado. s Desde que abriu o capital, em 1999, o valor de suas ações se multiplicou por 21. A Nvidia passou a ser chamada “a Intel das placas de vídeo”. Mas ela superou a Intel em outro quesito. Os chips Intel seguem a lei de Moore – uma previsão de 1965 segundo a qual o número de transistores em cada chip (e, portanto, sua capacidade de processamento) dobraria a cada 18 meses. Os da Nvidia ficam seis vezes melhores nesse período.

O nome Nvidia veio do latim videre, verbo que deu origem à palavra vídeo. Acrescido da letra “n” (usada em equações matemáticas para representar um valor variável), o nome da empresa soa como o espanhol “envidia” – que quer dizer inveja. O nome é oportuno. A administração de Huang é uma das mais bem avaliadas no Vale do Silício. Dá inveja nos concorrentes. Ele conta que um de seus preceitos é dar atenção aos empregados. Costuma caminhar pelos corredores cumprimentando a todos – e não esquece o nome dos filhos de ninguém. Um ano atrás, derrubou as paredes de sua sala e instalou uma grande mesa de reunião. Preconiza o contato pessoal para poder ser sincero. Os funcionários dizem que, quando Huang não gosta de algo, diz o que pensa sem escolher as palavras.
Enquanto os chips Intel dobram de capacidade a cada ano, os da Nvidia ficam seis vezes mais potentes

Com preços atraentes e uma política de lançar produtos inovadores em curtos intervalos, a Nvidia se tornou uma marca querida entre os usuários. Nem sempre foi assim. Em 1995, ela quase faliu. Huang ignorou o crescimento da Microsoft no mercado de games e lançou uma placa de vídeo, chamada NV1, que não se adaptava ao Windows. A Nvidia teve de cortar seu pessoal e ficou com apenas US$ 3 milhões em caixa. Huang então investiu um terço dessa quantia na compra de um supercomputador que simula a montagem dos chips. Assim, seus engenheiros podem brincar com os chips num ambiente virtual sem que haja a necessidade de montá-los no mundo real. A economia proporcionada pelo equipamento foi essencial para sustentar a estratégia de Huang: lançar um produto que tornasse o anterior obsoleto a cada seis meses.

A velocidade desses processadores chamou a atenção dos cientistas. Os chips evoluíram para conseguir criar imagens cada vez mais complexas. Para isso, foram dotados de uma enorme capacidade de fazer cálculos. Essa capacidade pode ser desviada para outras utilizações. Tarefas como estudar as combinações de átomos numa molécula podem demorar dias e exigem supercomputadores que não custam menos de US$ 1 milhão. A Nvidia promete substituir essas máquinas por uma versão modificada de seus chips gráficos. A mesma placa que explode aliens no game Crysis pode ser usada para testar vacinas nos computadores de um laboratório. O computador Tesla, lançado em 2007, vai custar entre US$ 1.499 e US$ 12 mil. Segundo a Nvidia, cálculos químicos que demoravam cinco dias agora são executados em 20 minutos. Outros campos que podem se beneficiar da novidade são centros de estudos sísmicos e analistas do mercado de ações.

Oficialmente, a Nvidia chegou ao Brasil em 2005. “Viemos organizar um mercado informal”, diz Richard Cameron, gerente local. Desde o ano passado, a empresa produz suas placas em Manaus, em parceria com cinco empresas nacionais. “Hoje, sabemos que os brasileiros consomem 180 mil placas de vídeo por mês.” Cameron vê no entusiasmo dos fãs de games a principal razão para o crescimento desse mercado. “Na informática, duas forças trazem o avanço tecnológico: o hardware e o software. Às vezes, um novo programa exige avanços nos processadores, às vezes acontece o contrário. No caso das placas de vídeo, o que empurra o desenvolvimento são os consumidores.” A cada seis meses, as empresas podem perder espaço de forma dramática. O mercado é assim porque é fácil abrir um PC e trocar de placa. Uma geração de jogadores ávidos costuma revirar os fóruns existentes na internet para decidir que placa comprar. Um jogo de sucesso que não “rode” bem pode destruir a reputação de uma nova placa.

No ano passado, a ATI, principal concorrente da Nvidia, perdeu clientes por causa de problemas do gênero. Acabou comprada pela AMD. Nas palavras de Huang: “Muitas pessoas dizem que o negócio das placas de vídeo é difícil. Sim, é como a F-1 – você está lá, colado no muro a 300 km/h. Mas esse é o nosso esporte e é o que amamos fazer. Não iríamos tão rápido se os consumidores não pedissem isso. Eles querem assim e é isso que temos de fazer.”

fonte:
http://www.fenacon.org.br/pressclipping/2008/janeiro/epoca/epoca280108b.htm